
A solução chegou de forma inesperada: nas mãos do meu irmão. Ele foi a um almoço na praia e lá lembrou de mim. Saiu a caminhar e achou algumas gaivotas mortas. Meu trouxe duas ou três delas, não lembro mais. Quando vi os bichos meus olhos brilharam de alegria! Ah, finalmente eu retomaria o trabalho...
Então, em uma tarde de sábado, lá fui eu cozinhar uma das gaivotas. Como elas são bem menores que um gambá, peguei uma panela velha e cozinhei o bichinho no fogão (desta vez a mãe deixou). Depois de bem cozida, fui para o pátio da nossa casa e iniciei a tarefa.
Eu só não esperava era uma coisa: o bichinho cheirava a peixe... E cheirava demais! Gente, eu não conseguia trabalhar em função do cheiro do bicho.
Tentei e tentei mas não dava. Então a minha avó chegou perto de mim e disse:
- Ai minha filha, que fedor!
E eu respondi:
- É vó, eu não sei mais o que faço. Tá difícil...
- Eu tenho uma máscara, disse a vó. Vou trazer prá ti.

Ela tinha uma máscara destas usadas pelos profissionais da saúde. Coloquei a máscara e me aproximei do meu local de trabalho. Ah, o cheiro ficava suportável com ela.
E lá vamos nós (lembram da bruxa do pica-pau?). Vamos terminar este trabalho! Com uma pequena faquinha afiada fui aos poucos extraindo o esqueleto da gaivota. Perto dos ossos grandes tudo bem. Meu problema iniciou mesmo quando cheguei aos ossinhos pequenos das costelas, que eram cheios de cartilagem.
Os ossos eram tão fininhos e a cartilagem tão grudada, que eu não conseguia apurar onde terminava um e começava a outra. As vezes a faquinha ia rápido demais e zás: lá se ia o osso junto com a cartilagem. Talvez não acreditem, mas fiquei a tarde toda nesta função. O esqueleto estava ficando um pouco estranho, tenho que admitir: as vezes faltava um pedaçinho de osso, doutras vezes tinha cartilagem demais...
E o entardecer veio. Minha mãe perdeu a paciência comigo e falou:
- Ah, mas tu não sabes nada de ave. Vem cá que eu termino esta gaivota prá ti.
Ela pegou o bicho das minhas mãos e levou para dentro. Eu segui ela, cansada e intrigada ao mesmo tempo. Ela acendeu uma boca do fogão e começou a sapecar a gaivota. Para quem não sabe, este era ou é um processo usado pelas pessoas que criam galinhas para consumo próprio. Após matar uma galinha elas primeiro retiravam as penas grossas. Feito isso era a vez das penas bem fininhas, ou penugens. Estas eram queimadas elevando-se o corpo do bichinho acima do fogo de modo que a penugem queimava, mas a pele não. E assim ficava pronta a galinha para cozinhar.
Bom, a mãe resolveu sapecar a minha gaivota. Eu fiquei observando ela passar a gaivota para lá e para cá, a uma distância de alguns centímetros do fogo. Só que gaivota não é galinha e cartilagem não é penugem. De repente, quando menos esperávamos, o fogo pegou nas cartilagens e a mãe ficou com uma tocha na mão. Ela sacudiu e sacudiu o esqueleto do bichinho, mas isso só fazia o fogo se espalhar mais. Quando ela finalmente conseguiu apagar o fogo é que pude ver a proporção do estrago... Do esqueleto não sobrou quase nada: só a cabeça, parte da coluna. As costelas queimaram todas... A mãe me lançou um olhar apavorado do tipo: agora ela me mata!
Eu olhei para a mãe, olhei para a gaivota e olhei para a mãe de novo. Gente eu estava tão cansada que não consegui ficar brava. Eu só disse:
- Ah, deixa prá lá!
E a mãe se desfez da gaivota para mim.
E agora? Fazer a outra gaivota? Mas nem pensar!
E lá vinha a pergunta que não queria calar: cadê o bicho...
Andréa