quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O gambá, a gaivota e o pinguim - Parte II

Parte II - A Gaivota

Depois da minha decepção com os gambás fiquei em "stand by". Não tinha ideia de qual bicho fazer. Onde, raios, eu ia arranjar um animal silvestre morto? Será que teria de me embrenhar nos matos?

A solução chegou de forma inesperada: nas mãos do meu irmão. Ele foi a um almoço na praia e lá lembrou de mim. Saiu a caminhar e achou algumas gaivotas mortas. Meu trouxe duas ou três delas, não lembro mais. Quando vi os bichos meus olhos brilharam de alegria! Ah, finalmente eu retomaria o trabalho...

Então, em uma tarde de sábado, lá fui eu cozinhar uma das gaivotas. Como elas são bem menores que um gambá, peguei uma panela velha e cozinhei o bichinho no fogão (desta vez a mãe deixou). Depois de bem cozida, fui para o pátio da nossa casa e iniciei a tarefa.

Eu só não esperava era uma coisa: o bichinho cheirava a peixe... E cheirava demais! Gente, eu não conseguia trabalhar em função do cheiro do bicho.

Tentei e tentei mas não dava. Então a minha avó chegou perto de mim e disse:

- Ai minha filha, que fedor!

E eu respondi:

- É vó, eu não sei mais o que faço. Tá difícil...

- Eu tenho uma máscara, disse a vó. Vou trazer prá ti.

Ela tinha uma máscara destas usadas pelos profissionais da saúde. Coloquei a máscara e me aproximei do meu local de trabalho. Ah, o cheiro ficava suportável com ela.

E lá vamos nós (lembram da bruxa do pica-pau?). Vamos terminar este trabalho! Com uma pequena faquinha afiada fui aos poucos extraindo o esqueleto da gaivota. Perto dos ossos grandes tudo bem. Meu problema iniciou mesmo quando cheguei aos ossinhos pequenos das costelas, que eram cheios de cartilagem.

Os ossos eram tão fininhos e a cartilagem tão grudada, que eu não conseguia apurar onde terminava um e começava a outra. As vezes a faquinha ia rápido demais e zás: lá se ia o osso junto com a cartilagem. Talvez não acreditem, mas fiquei a tarde toda nesta função. O esqueleto estava ficando um pouco estranho, tenho que admitir: as vezes faltava um pedaçinho de osso, doutras vezes tinha cartilagem demais...

E o entardecer veio. Minha mãe perdeu a paciência comigo e falou:

- Ah, mas tu não sabes nada de ave. Vem cá que eu termino esta gaivota prá ti.

Ela pegou o bicho das minhas mãos e levou para dentro. Eu segui ela, cansada e intrigada ao mesmo tempo. Ela acendeu uma boca do fogão e começou a sapecar a gaivota. Para quem não sabe, este era ou é um processo usado pelas pessoas que criam galinhas para consumo próprio. Após matar uma galinha elas primeiro retiravam as penas grossas. Feito isso era a vez das penas bem fininhas, ou penugens. Estas eram queimadas elevando-se o corpo do bichinho acima do fogo de modo que a penugem queimava, mas a pele não. E assim ficava pronta a galinha para cozinhar.

Bom, a mãe resolveu sapecar a minha gaivota. Eu fiquei observando ela passar a gaivota para lá e para cá, a uma distância de alguns centímetros do fogo. Só que gaivota não é galinha e cartilagem não é penugem. De repente, quando menos esperávamos, o fogo pegou nas cartilagens e a mãe ficou com uma tocha na mão. Ela sacudiu e sacudiu o esqueleto do bichinho, mas isso só fazia o fogo se espalhar mais. Quando ela finalmente conseguiu apagar o fogo é que pude ver a proporção do estrago... Do esqueleto não sobrou quase nada: só a cabeça, parte da coluna. As costelas queimaram todas... A mãe me lançou um olhar apavorado do tipo: agora ela me mata!

Eu olhei para a mãe, olhei para a gaivota e olhei para a mãe de novo. Gente eu estava tão cansada que não consegui ficar brava. Eu só disse:

- Ah, deixa prá lá!

E a mãe se desfez da gaivota para mim.

E agora? Fazer a outra gaivota? Mas nem pensar!

E lá vinha a pergunta que não queria calar: cadê o bicho...

Andréa